Um casal se separa e, em meio ao turbilhão de acontecimentos inerentes a uma situação como esta, um dos pais procura desqualificar a imagem do outro perante os filhos. Essa cena é mais comum do que se imagina, mas não deveria. As consequências causadas às crianças e aos adolescentes que ficam no meio desse cabo de guerra são seríssimas e têm um nome: Síndrome da Alienação Parental (SAP).
Em vigor desde 2010 no Brasil, a Lei 12.318 descreve a Alienação Parental como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores (ou pelos avós ou por quem tenha a criança sob sua autoridade), para que ela repudie o pai ou a mãe, causando prejuízo no estabelecimento ou manutenção dos vínculos familiares. Geralmente, isso ocorre quando há um divórcio mal resolvido, ainda com mágoas e hostilidade, e os pais utilizam os filhos nessa disputa.
São três os sujeitos que atuam na Alienação Parental: o alienador, que pode ser o pai ou a mãe; o alienado, que é quem exerce esporadicamente a visitação, e a criança (ou adolescente). Os efeitos dramáticos da Alienação Parental recaem sobre todos esses atores, mas com maior intensidade sobre a criança (ou adolescente), porque ela não tem ideia do que está acontecendo.
A legislação destaca sete exemplos de alienação. O primeiro deles é o mais comum e mais utilizado: a desqualificação da conduta do genitor. São frases como: “Seu pai atrasou o pagamento do colégio”, ou “Te liguei ontem e sua mãe não deixou eu falar com você” e, ainda, “Seu pai não gosta de você” ou “Sua mãe não se preocupa com você”, que, repetidas à exaustão, acabam sendo interiorizadas pela criança. Dificultar o exercício da autoridade parental, o contato da criança com o genitor ou o exercício do direito de convivência familiar também são formas utilizadas. Ocorrem, por exemplo, quando um dos genitores não transmite ao filho o recado deixado pelo outro, quando e-mails e telefonemas são interceptados, quando presentes deixados para a criança não são entregues, quando são criados empecilhos para a visitação, quando o pai ou a mãe proíbe que o filho use uma peça de roupa ou um objeto dado pelo outro genitor, entre outras situações.
Há, ainda, pais que omitem do ex-parceiro informações importantes sobre a criança ou o adolescente, inclusive escolares ou médicas. Por exemplo, a mãe não avisa que será realizada festa de dia dos pais na escola e, quando o pai não comparece, ela diz que ele não se importa com o filho; ou o pai não conta que o filho sofreu um pequeno acidente e foi para o hospital e, quando a criança questiona a ausência da mãe, ele diz que ela não se preocupa com o filho. Outra forma citada de Alienação Parental é a mudança de domicílio para local distante, sem justificativa, com o objetivo de dificultar a convivência da criança com o outro genitor e seus familiares, como avós.
As situações mais graves, também descritas na legislação vigente, dizem respeito à apresentação de falsas denúncias contra o genitor, seja de violência, negligência ou de abuso sexual, o que pode provocar a suspensão do convívio da criança com o pai ou com a mãe. É uma violência psíquica, uma violência psicológica imensa contra a criança. Quando existe uma denúncia grave, afastar a criança é o primeiro passo e tem sua justificativa na proteção, que tem que vir em primeiro lugar.
A observação de comportamentos de todos os envolvidos em um processo de ruptura familiar (pais, avós ou outros responsáveis, e dos filhos) pode evidenciar a ocorrência da prática. E, constatado qualquer sinal de alienação, é necessária uma atenção especial dos atores de Justiça: a lei prevê, inclusive, que, declarado qualquer indício, o processo deverá ter tramitação prioritária para que haja preservação da integridade psicológica da criança e do adolescente.
Nesse sentido, destaca-se que, tão importante quanto a celeridade na resolução desses casos, é ouvir todos os envolvidos: a criança alvo de alienação, os pais (tanto alienador quanto alienado), os avós, enfim, quem for possível. Se existe suspeita de alienação, de abuso ou violência, se existe uma queixa de um dos lados, nunca somente um lado pode ser escutado. Os dois devem ser ouvidos. O histórico desse casal e de cada envolvido tem que ser revisto, e não apenas ter como base uma denúncia de uma criança, ou a repetição de uma história. As crianças devem ser escutadas em momentos distintos do processo, e não uma única vez.
São os pais ou responsáveis que apresentam o mundo aos filhos, que formam a estrutura para que a criança se desenvolva. Em uma relação conflituosa e agressiva, essa imagem paterna ou materna pode ser destruída, prejudicando a referência de homem e mulher que a criança vai levar para a vida.
Foi em 1985 que o psiquiatra americano Richard Gardner definiu como Síndrome de Alienação Parental (SAP) o distúrbio em que as crianças são programadas por um dos genitores a difamar reiteradamente o outro genitor. Tal comportamento surge quase que exclusivamente no contexto das disputas de custódia das crianças.
Gardner distinguiu três níveis ou estágios de desenvolvimento da síndrome: leve, moderado ou grave, cada qual merecedor de uma abordagem diferente. E as categorias não são determinadas pelo esforço do genitor alienador, mas pelo resultado nas crianças. Se o diagnóstico é equivocado, certamente o tratamento também será, com inquestionável comprometimento das pessoas envolvidas. O tratamento não pode se basear apenas nos esforços de manipulação do genitor alienador, mas também deve levar em consideração a possibilidade de sucesso em cada criança.
São diversos os sinais que uma criança pode demonstrar quando está sofrendo. Algumas reagem com ansiedade, com nervosismo, agressividade e depressão, outras se isolam, repetem a agressividade recebida com os colegas de escola. Algumas adoecem emocionalmente e ficam muito fragilizadas. Há, ainda, situações em que a criança que sofreu alienação só vai perceber as consequências quando crescer.
Quando caracterizado qualquer ato de Alienação Parental, ou qualquer conduta que dificulte a convivência da criança ou adolescente com um dos genitores, a Justiça pode aplicar uma série de sanções, isoladas ou cumulativamente. Pode advertir o alienador; determinar a ampliação do regime de convivência com o alienado; estipular multa; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; determinar a alteração de guarda para compartilhada ou inversão de guarda (passar do alienador para o alienado); determinar fixação do domicílio da criança ou adolescente; e declarar suspensão da autoridade parental (interrompendo a autoridade do pai ou da mãe praticantes da alienação).
• Falsa acusação de violência:
Quando o pai ou a mãe já não encontram mais meios para depreciar a imagem do outro e destruir a relação de um dos dois com os filhos, alguns recorrem à mais devastadora das possibilidades: a apresentação de uma falsa denúncia de abuso sexual. Essa atitude é especialmente grave e recebe da Justiça, em sua maioria, a manifestação mais imediata, que é a suspensão da visita do genitor alienado.
O que se observa, eventualmente, são casos de Alienação Parental com implantação de falsas memórias na criança, tanto quanto a ocorrência da violência física como sexual. A experiência no trato com crianças e adolescentes e o apoio de profissionais especializados no assunto tem nos permitido diagnosticar tais casos, podendo-se afirmar que aqui o alienador não tem encontrado sucesso. Contudo, o sofrimento para a criança se verifica de uma ou outra forma, até porque, enquanto tudo não resta esclarecido, no mais das vezes são aplicadas medidas cautelares de afastamento do suposto agressor. Portanto, o pai e a mãe que utilizam dessa estratégia estão sujeitos a uma série de sanções previstas em lei, inclusive de natureza criminal.
A médica pediatra e psicanalista Luci Pfeiffer ressalta que a partir de uma falsa denúncia de violência, têm-se o comprometimento do psiquismo da criança, seja porque ela tem que se defender do verdadeiro abusador, mas ele é o denunciante da história, seja porque é passada para a criança uma situação que ela não deveria vivenciar, que ela não tem condições de elaborar. “Na realidade é um abuso sexual indireto, porque quando a mãe ou o pai fazem uma falsa denúncia, e levam essa criança para fazer exame pericial no IML, e essa criança é obrigada a contar, a detalhar situações que ela não deveria ter conhecimento, ela é transformada em objeto de desejo sexual de outro, e só isso, só o fato de ela ser vista como um objeto de desejo do pai ou da mãe, já é uma violência psíquica imensa e vai deturpar toda a sexualidade dela se ela não for tratada”, diz.
Luci explica que é preciso que a criança ou adolescente possa elaborar essa situação para, no futuro, se libertar da culpa. “Gera todo um transtorno de sexualidade que, se não tratado, segue pra vida inteira. Constada a falsa denúncia, a primeira ação deve ser, até da Justiça, deixar bem claro pra criança ou adolescente: ‘nós avaliamos o caso, especialistas avaliariam, e descobrimos que seu pai estava brigando muito com a sua mãe e acabou inventando essas histórias’, ou ‘sua mãe estava brigando muito e acabou inventando tudo isso. É invenção, isso não existiu’. A criança precisa de alguém superior, de alguém que diga isso, algum psicólogo, psicanalista, o juiz, o promotor, porque aí ela se liberta da culpa”, explica.
Um abraço para todos.
Ana Brocanelo – Advogada.
OAB/SP:176.438 | OAB/ES: 23.075
Fonte: Ministério Público do Estado do Paraná – MPPR. “Causadora de graves prejuízos aos filhos, Alienação Parental é punível pela legislação“. CC BY-ND 3.0 BR.
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