No Brasil, desde 2015, uma lei penal pune o crime de feminicídio, que consiste em matar “a mulher por razões da condição de sexo feminino”. Feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. Suas motivações mais usuais são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres, comuns em sociedades marcadas pela associação de papéis discriminatórios ao feminino, como é o caso brasileiro.
Segundo o Código Penal, há razões da condição de sexo feminino “quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. É feminicídio não apenas o caso em que vítima e seu algoz mantiveram alguma relação afetiva, mas também quando os fatos criminosos evidentemente demonstram que a “condição” de mulher foi decisiva para seu cometimento. Ser mulher é, infelizmente, estar constantemente sob o risco de sofrer violências, por toda a vida, desde criança até idosa, em todas as classes sociais e em todas as raças.
Atualmente, cifras assustadoras (e vergonhosas) apontam o Brasil como o quinto país do mundo que mais mata as suas mulheres. E, por isso, precisamos falar sobre gênero, sobre as relações profundamente desiguais de poder entre homens e mulheres. Afinal, o que faz um homem acreditar que ele pode eliminar a vida de uma mulher quando ela se recusa a manter relação sexual com ele (ou quando se recusa a um beijo, ou a um abraço, ou a qualquer ato lascivo) ou quando ela se recusa a permanecer no relacionamento (aqui, a famosa frase “se não for minha, não vai ser de mais ninguém”)?
Incentiva-se que meninos, desde muito cedo, sejam agressivos e que mostrem que são homens (“homem não chora”, “homem não leva desaforo para casa”, “vira homem!”). Na adolescência, ou mesmo antes dela, meninos são encorajados, e até mesmo obrigados, a mostrarem toda sua virilidade (“já tem namorada?”, “pegou quantas?”, “esse vai ser um garanhão!”). Além dos comentários mais “inocentes” de familiares e amigos, ainda temos que nos atentar para publicidades que reforçam os estereótipos de gênero, mostrando a mulher como um corpo a ser consumido, em última análise, uma coisa. E se as mulheres são apresentadas a todo tempo como coisas (umas mais valiosas, outras menos), a partir do momento em que não servem mais, podem ser descartadas.
Por outro lado, paremos de julgar a vítima mulher. Afinal, a culpa pela morte da mulher não é da “saia curta”, ou do seu “belo corpo”, ou porque ela estava “andando sozinha na rua”. Ela foi morta porque existe uma cultura machista que legitima a posição de superioridade de homens, perpetuando relações violentas entre os sexos.
Não se trata de negar as diferenças entre homens e mulheres, mas de afastar as ditas “masculinidades tóxicas”, a busca para se provar “macho” a todo momento – estimulando violência, fechamento emocional, homofobia e obsessão com dinheiro, sexo e poder.
Precisamos urgentemente de um movimento consciente de toda a sociedade (homens e mulheres) para a educação de meninos e meninas, ensinando e mostrando, no dia a dia, que têm os mesmos direitos e oportunidades (equidade de gênero) e que merecem respeito. Somente através da educação, nas famílias, nas escolas, nos meios de comunicação, que poderemos mudar esta cultura tão nefasta que adoece todo o corpo social, e causa tanta indignação, frustração, impotência, tristeza e sofrimento.
Um abraço para todos.
Ana Brocanelo – Advogada.
OAB/SP:176.438
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT. “Ser mulher é estar sob risco“. Por Fabriziane Zapata. Texto editado. CC BY 4.0 BR.