O termo “socioafetividade” é novo para a maioria da população. Muitas pessoas que procuram por um escritório de advocacia buscando uma solução contam suas histórias, sem saber que, na verdade, vivem em relações socioafetivas (Direito de Família). Conheça os direitos e deveres da autoridade parental.
Para facilitar o entendimento apresentaremos um exemplo: uma moça de 20 anos de idade engravida do namorado, permanece junto com o pai da criança durante a gravidez e ainda nos primeiros meses de vida do bebê. Logo após esse período, o casal se desentende e se separa. O pai passa a exercer o que chamamos de “regime de visitas”, vendo a criança a cada 15 dias.
Passados dois anos da separação, a mãe dessa criança volta a se relacionar com outra pessoa e constitui nova família. O novo companheiro passa a ocupar a posição de padrasto e passa grande parte do tempo cuidando, educando e criando verdadeiros laços afetivos com a criança que é o filho do primeiro relacionamento de sua mulher.
Após ter criado os laços de afeto, o padrasto sente a necessidade de amparar essa criança não só fisicamente, mas também economicamente e emocionalmente. Como realizar tal coisa? Adotar o “filho do coração” é juridicamente impossível, já que o pai biológico tem os mesmos laços afetivos com a criança. Então, o que fazer?
Já que a filiação é o vínculo mais importante da união e aproximação das pessoas, os novos rumos do Direito Civil brasileiro trouxeram uma solução para a chamada “relação socioafetiva”, em que os laços de amor e confiança prevalecem até mesmo sobre os laços biológicos.
Antes de comentar os direitos e deveres vamos dizer exatamente o final da nossa história. Neste caso, o padrasto entra com medida judicial requerendo o reconhecimento do vínculo afetivo com a criança e o acréscimo de seu nome e os nomes de seus genitores na certidão de nascimento. Resumindo de forma simplista, a criança passa a ter dois pais, uma mãe e seis avós em sua certidão de nascimento.
A modificação da certidão de nascimento traz mais consequências do que o simples acréscimo de nome nos documentos da criança. Os efeitos jurídicos pesarão mais ainda sobre aquele que deu seu nome ao menor, pois deste reconhecimento voluntário de paternidade se originam a prestação de alimentos (pensão alimentícia), a guarda e responsabilidade pelo bem-estar da criança e ainda a modificação nos direitos de sucessão de bens (herança).
Uma vez reconhecida, a paternidade socioafetiva será eterna em relação àquele com quem se criou laços afetivos. Não haverá renúncia do “cargo de genitor”. Será um passo dado, sem chance de desfazer o que foi feito.
É diferente de uma ação de investigação de paternidade, na qual se busca “obrigar” o genitor a reconhecer a filiação de uma determinada criança, pois se trata de ato que envolve a vontade de duas pessoas.
Na relação socioafetiva há sempre o ato voluntário do reconhecimento de filiação, que surge em virtude da criação de um laço mais forte que o sanguíneo, proveniente da necessidade de proteção, originário do amor espontâneo.
Vejamos os direitos e deveres inerentes à relação socioafetiva.
• Fundamento legal:
Você pode questionar de onde vem o reconhecimento desse tipo de possibilidade jurídica. Veja o que diz a lei. Tudo se baseia na Constituição Federal de 1988, no artigo 227, § 6º, que determina a proibição da discriminação entre os filhos advindos ou não da relação matrimonial. Assim, a grande porta para o reconhecimento das instituições familiares diversificadas que temos hoje foi aberta. A igualdade de tratamento para os filhos tem como consequência o reconhecimento de todos os tipos de efeito que um reconhecimento de filiação traz, seja efeito civil (nome, modificação de documentos, direito de guarda e convivência), seja efeito econômico (prestação de alimentos, herança, educação). Esses efeitos serão imediatos e valem para todos.
Vejamos em detalhes os efeitos que o reconhecimento socioafetivo trazem.
• Nome:
A criança poderá adotar o nome de quem a está reconhecendo, sendo este um dos efeitos civis mais importantes por criar laços além daqueles do coração, uma vez que trata de direito personalíssimo, ligado ao princípio da dignidade humana, ou seja, aquele que visa à preservar a dignidade do protegido.
A certidão de nascimento será modificada, tendo o acréscimo do nome do “reconhecedor”, sendo que a Constituição Federal proíbe colocar na certidão o motivo da modificação, de modo a proteger o tutelado. Será acrescido o nome, passando a existir no assento de nascimento duas mães e um pai, ou ainda uma mãe e dois avós, não sendo possível a distinção do genitor biológico do genitor socioafetivo.
Na certidão de nascimento existirá o nome de todos os avós da relação, os biológicos e os afetivos.
• Poder familiar:
O poder familiar é aquele do conjunto de decisões a serem tomadas pelos responsáveis pela criança, sempre visando ao bem-estar, à educação e à proteção do menor. Logo, quem tem o poder familiar poderá exigir dos demais responsáveis atitudes voltadas, única e exclusivamente, orientadas aos cuidados para com a criança, exercendo o direito de fiscalização estabelecido na legislação.
• Alimentos:
Aquele que reconhece a filiação socioafetiva e, consequentemente tem o direito de exercer o poder familiar, inclusive com o direito de dar o seu nome ao tutelado terá que prover o sustento de seu protegido até que atinja a maioridade civil, que se dá a partir dos 18 anos de idade.
Portanto, a obrigação de alimentos será regida pelas mesmas regras que obrigam o pai biológico, em razão de a legislação ter o trinômio necessidade – possibilidade – razoabilidade (manutenção das necessidades primárias – condição financeira de quem paga – bom senso e proporcionalidade), sob pena de o responsável sofrer a execução por ter parcelas em atraso, fixação de provisórios e até mesmo a prisão civil em caso de falta de pagamento.
Assim, no que diz respeito aos alimentos, o julgador deve analisar a presença do referido trinômio para estipular qual o valor da pensão alimentícia e verificar se é suportado pela pessoa que vai pagar, sempre levando em consideração o bom senso.
• Sucessão:
Considerado por grande parte dos juristas como o efeito mais importante do reconhecimento da filiação, o direito sucessório versa sobre os bens deixados como herança, já que deverá haver a igualdade entre os filhos, sejam eles advindos ou não do casamento. Assim, os filhos reconhecidos por socioafetividade serão tão ou mais herdeiros que os filhos biológicos, uma vez que os laços afetivos sobrepõem os laços sanguíneos, tornando os filhos socioafetivos herdeiros necessários.
A sucessão de forma igualitária visa à corrigir erros do passado, quando filhos fora do casamento ou aqueles até com laços afetivos maiores e mais fortes eram esquecidos, ou melhor, desprezados pela Justiça.
Um abraço para todos.
Ana Brocanelo – Advogada.
OAB/SP:176.438 | OAB/ES: 23.075
Fonte: Guia da Cidadania – Direitos Trabalhistas. On Line Editora. “O reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva”. Páginas 37 a 39. Por Dra. Ana Amélia Brocanelo Coutinho Tranchesi.