A Parada do Orgulho LGBTQIA+ de São Paulo, considerada a maior do mundo, surgiu na capital paulista em 1997. Ontem, 19 de junho, foi mais um dia de celebração.
LGBTQIA+ (e que o alfabeto não seja o bastante pela força do Direito), uma sigla que representa pessoas e seus sentimentos de pertencimento, a sua vontade de luta, a sua representatividade, a busca por bem-estar emocional, bem-estar social, de falar a respeito e sobre o respeito. Há muito o que aprender e há muito o que ensinar. Relacionando com o Direito de Família, posso perguntar: o que os pais homoafetivos podem nos ensinar sobre feminismo e paternidade?
Era uma vez (bastante recente), os pais saíam para trabalhar e pagavam as contas enquanto as mães ficavam em casa para criar os filhos e mantinham a casa impecável. Mas esse modelo de núcleo familiar – um homem heterossexual e uma mulher heterossexual com filhos – começou a mudar nas últimas décadas.
Muitos homens da geração atual não agem mais apenas como patriarcas emocionalmente distantes e ganhadores do pão de cada dia. São mais do que isso, eles são mais práticos do que seus próprios pais. Eles levam, as crianças para a escola, aprendem a trançar o cabelo das filhas, ficam acordados de madrugada cuidando de um filho doente enquanto a mãe dorme, fazem o almoço e preparam a lancheira.
Há, no entanto, um grupo de homens que não costuma aparecer nas discussões sobre paternidade: os pais homoafetivos. Eles frequentemente operam fora dos papéis tradicionais de gênero e fornecem um modelo de “paternidade consciente” que pode oferecer algumas lições importantes. Que lições eles podem ter para pais heterossexuais que desejam mudar sua dinâmica?
• O mito da “maternidade natural”:
A sociedade nos lembra forçosamente que homens são pais e só. Não exercem o papel de mães. Um pequeno exemplo disso é que, na maioria das vezes, trocadores de fraldas, localizam-se apenas nos banheiros femininos.
Existem também outras barreiras estruturais significativas. Na maioria dos países, as mulheres recebem muito mais licença parental do que os homens. Na África, vários países – entre eles Sudão, Namíbia, Botswana, Egito e Nigéria – não oferecem licença-paternidade como algo natural.
A mensagem subjacente é clara: a paternidade para as mulheres é uma expectativa, enquanto para os homens pode ser uma escolha.
Por quê? Nossas ideias sobre cuidados infantis permanecem congeladas pelo mito da maternidade natural, que liga fortemente a biologia à habilidade. As mulheres são as que dão à luz aos filhos, então elas são vistas como inerentemente capazes de cuidar das crianças.
Como resultado, há expectativas muito diferentes de homens e mulheres quando se trata de cuidar de crianças. A maternidade é representada culturalmente como competente, instintiva e sem esforço. Mas os homens que cuidam de crianças são frequentemente descritos como ineptos, desajeitados e cômicos.
Esses estereótipos veem os homens relegados à posição de ajudante da mãe. Simplesmente não confiamos que os homens assumam a responsabilidade de cuidar das crianças.
• A paternidade como uma questão feminista:
Várias acadêmicas feministas argumentaram que a paternidade e o envolvimento masculino nos cuidados infantis é, sem dúvida, uma questão feminista.
Quando os homens são incluídos nos cuidados infantis, tanto as mulheres como os homens beneficiam. Os homens podem desfrutar de diferentes relacionamentos com seus filhos e são colocados em melhor posição para compartilhar a guarda. As mulheres podem participar mais plenamente da força de trabalho, sem a “dupla jornada” que muitas mães enfrentam.
Parcerias heterossexuais mais equitativas devem ser incentivadas se a paternidade for “desgênero” para que o cuidado infantil seja despojado de seu viés de gênero.
Isso requer repensar os papéis tradicionais de gênero e ideias arraigadas sobre o que conta como “família”. Alguns estudiosos argumentam que uma maneira de mudar essas ideias é aumentar as representações positivas de pais envolvidos e carinhosos.
• Pais homoafetivos expandindo as possibilidades:
Pais homoafetivos também estão expandindo os papéis da paternidade de novas maneiras que podem servir como modelos alternativos para todas as famílias.
Muitos homens homoafetivos fornecem um modelo de “paternidade consciente” no qual, ao contrário da maioria dos heterossexuais, ter filhos é algo planejado conscientemente.
As famílias homoafetivos também assumem uma variedade de formas e formas, com múltiplas figuras de apego. Isso estende os limites da ‘família’ além da conexão biológica e, muitas vezes, da semelhança racial. Os pais homoafetivos também tendem a dividir os cuidados com as crianças de forma mais equitativa, uma vez que não há papéis de gênero padrão aos quais recorrer.
Finalmente, e mais importante, os pais homoafetivos expandem os entendimentos atuais do que significa ser homem e pai para incluir carinho e cuidado.
• Famílias homoafetivas devem ser também exemplos:
Tirar lições da paternidade do mesmo sexo poderia permitir aos pais heterossexuais mais espaço para negociar os papéis tradicionais. Mas as representações positivas de homens homoafetivos e suas famílias ainda são mínimas. Em vez disso, muitas pessoas tendem a se concentrar nas possíveis “ameaças” da paternidade homoafetiva para crianças e a família heterossexual tradicional.
O que a gente precisa é compreender e abraçar diferentes formas de ser e de constituir uma família. Nisso, temos que aprender uns com os outros.
Um abraço para todos.
Ana Brocanelo – Advogada.
OAB/SP:176.438
Fonte: The Conversation. “O que os pais homoafetivos podem nos ensinar sobre feminismo e paternidade” Texto editado. Publicado sob licença CC BY 4.0.