Constantemente, nas minhas consultas sobre guarda, surge a pergunta:
“Dra., na guarda compartilhada, meu filho(a) morará uma semana na casa de cada um dos genitores?”
E a resposta é sempre a mesma: não!
A guarda compartilhada nada tem a ver com a residência (domicílio) da criança. Ela diz respeito às decisões sobre a vida civil da criança, como: onde irá estudar, qual plano de saúde terá, quais cursos frequentará. O objetivo da guarda compartilhada é que ambos os pais sejam responsáveis pelas decisões importantes e obrigações diárias em relação aos filhos, como levá-los ao médico, dentista ou balé, de forma conjunta, como seria no caso de um casamento.
Já o domicílio ou residência da criança é onde ela sente que está seu lar. Trata-se de acolhimento e atendimento às suas necessidades psicológicas. É onde o coração dos pequenos mora, é o abrigo. O ideal é que tanto a casa da mãe quanto a do pai ofereça esse ambiente seguro e amoroso.
Porém, nossos tribunais ainda resistem à ideia de trocas semanais ou outros períodos alternados de residência, muitas vezes vetando essa forma de convivência. A justificativa é evitar a figura da “criança tartaruga”, sempre carregando uma mochila nas costas. A ideia predominante é que a criança deve ter contato frequente com ambos os genitores, mas o isolamento por 7 dias em uma única residência encontra resistência em Varas de Família.
Se refletirmos, é justo que o domicílio fixo seja determinado para um dos genitores, enquanto o regime de convivência seja exercido pelo outro de forma reduzida? Isso realmente atende ao direito da criança, que muitas vezes passa 15 dias sem ver um dos pais, simplesmente porque o Judiciário não reconhece os benefícios do domicílio alternado?
Em países europeus e no Canadá, por exemplo, o domicílio alternado é a regra. Cada genitor tem metade exata da convivência, e, se isso não for possível, aquele que assume maior tempo com os filhos recebe uma compensação financeira proporcional. É uma solução justa, afinal, o genitor com domicílio fixo lida com maior responsabilidade diária: estar presente na chegada da escola, ter a rotina de trabalho afetada, como dificuldades com horas extras, viagens ou atualizações profissionais. Enquanto isso, o outro genitor desfruta de maior flexibilidade na semana.
Aqui em São Paulo, ainda são raras as decisões que permitem o domicílio alternado, mesmo quando consensuado entre os genitores ou já praticado naturalmente pela família. Mais raras ainda são as decisões em Segunda Instância que revertem as determinações de Primeira Instância, fixando convivência quinzenal para um genitor ou atribuindo 100% do domicílio fixo ao outro. Infelizmente, estamos diante de um tribunal de visão “clássica”.
É uma realidade dura. Ser pai ou mãe solo está cada dia mais desafiador, especialmente quando há um cabo de guerra sobre guarda e domicílio. No fundo, o que ambos os lados desejam é o mesmo: o bem-estar dos filhos. É preciso maior flexibilização e sensibilidade nas decisões judiciais, ouvindo atentamente as dinâmicas familiares, para que a dor da separação ceda espaço ao equilíbrio e à harmonia para todos.
Um abraço para todos.
Ana Brocanelo – Advogada.