No Brasil, estima-se que exista cerca de dois milhões de crianças com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e uma das questões que pouco se vê em debate é como conduzir o divórcio dos pais de crianças com TEA.
O Divórcio, em si, já é um rito que gera frustrações, angústias e receios, especialmente quando envolve crianças. A nova realidade imposta a todos pode vir a ser um problema para crianças com TEA, o que exige atenção e cuidados redobrados.
Toda criança ou adolescente que passa pelo processo de separação dos pais, querendo ou não, tem um novo processo de readaptação. No caso da criança com o Espectro Autista, é preciso ter sensibilidade e cuidados ao limites em que essa criança seja apresentada nesta readaptação. O processo dessa nova configuração familiar, após o Divórcio, tem que ser visto como uma construção, colocando como prioridade o respeito à criança, sempre pensando na regulamentação de convivência baseada nos interesses das crianças. É muito importante contar com um apoio profissional nessas horas para que todos os lados sejam trabalhados e o ambiente fique o mais saudável possível.
Quando existem filhos na relação, é definida a guarda que pode ser Unilateral, onde a criança fica com um dos genitores e a Guarda Compartilhada, onde se divide por completo as responsabilidades e inclusive, as rotinas das duas novas casas, na qual a criança varia de lar, ficando com um dos genitores. No caso das crianças com TEA, a condição precisa ser conferida individualmente, já que a Guarda Compartilhada é a regra dos tribunais, mas a regulamentação de convivência é baseada, prioritariamente, no melhor interesse da criança.
No contexto do autismo, a separação vai exigir dos pais uma responsabilidade maior no que diz respeito às necessidades da criança, por isso mesmo é importante que esse conflito seja resolvido da melhor maneira possível. Hoje, as leis que regem o Divórcio procuram priorizar, principalmente, os direitos da criança, seja nas questões de Pensão Alimentícia e até mesmo nas questões psicológicas. Quando conseguimos mediar um acordo entre esses pais, a opção da Guarda Compartilhada é priorizada, uma vez que os dois têm direitos e responsabilidades junto a essa criança. Agora, quando não conseguimos um acordo ou os pais possuem uma relação conflituosa, para não colocarmos a integridade dessa criança em risco, a lei sugere que a guarda unilateral seja estabelecida, deixando-a no ambiente mais saudável e favorável para o seu desenvolvimento.
Para as crianças com Espectro Autista, a necessidade de uma rotina inalterada pode ser essencial para a sua qualidade de vida, pois a simples quebra deste cotidiano pode acarretar em efeitos prejudiciais à interação social e aumento do seu isolamento. Para isso, é essencial que os pais busquem profissionais com experiência específica sobre o tema, visando auxiliar na construção da nova rotina e de hábitos saudáveis ao desenvolvimento da criança com TEA.
O mais comum na questão do Divórcio do casal, tendo em vista as limitações e dificuldades da criança, são as saídas de lazer, já que a condição de TEA implica também na socialização da criança com outros, de modo geral. A separação é algo muito comum hoje em dia nas famílias, porém nas famílias em que se tem uma criança autista envolvida, é preciso ter um cuidado durante esse processo para que não haja prejuízos psicológicos. Se o casal já possui uma rotina com esse filho, é muito importante que ela seja mantida: os locais de passeio, a casa que mora, tudo isso para que essa mudança não seja um fator que possa gerar prejuízos futuros na socialização dela.
Mesmo com a Guarda Compartilhada sendo a opção mais indicada, por vezes ela pode gerar a não adaptação da criança à nova rotina e os desafios diários como a questão dos acompanhamentos multidisciplinares que são rotina de quem tem TEA. Para que esse processo de adaptação à nova vida familiar dos pais seja feito da melhor forma, além do acompanhamento profissional qualificado, a família encontre em conjunto uma rotina que se adeque às necessidades da criança. A guarda deve ser pautada na responsabilidade, cuidado e no respeito às peculiaridades dessa criança e do adolescente.
Quando tratamos de crianças e adolescentes com necessidades especiais – e uma das possibilidades é o Espectro do Autismo – as especificidades dessa criança devem ser consideradas e preservadas. É sabido que a rotina deve ser mantida, definir quais são os dias que a criança vai estar com cada genitor, qual vai ser o domicílio fixado como residência para essa criança ou adolescente. A partir daí, essa transformação que naturalmente vai acontecer em razão da separação entre o casal e isso passa a ser sentido de uma forma mais leve.
A fixação da Pensão Alimentícia também precisa levar em conta a rotina de tratamento dessa criança. A Pensão Alimentícia deve atender aos interesses das crianças e adolescentes, diante da possibilidade de quem paga, e não na proporcionalidade entre o que se paga e o que se recebe. Caso essa criança ou adolescente tenha necessidades de receber tratamentos extras, como por exemplo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, etc., isso implicará em uma necessidade orçamentária maior para a manutenção dessa criança. Então a Pensão Alimentícia pode sim ser em valor maior em razão dessa necessidade.
Um abraço para todos.
Ana Brocanelo – Advogada.
OAB/SP:176.438
Fonte: Defensoria Pública do Estado do Ceará. “Crianças com TEA: um debate sobre guarda e os cuidados no processo de separação dos pais“. Publicado sob licença CC BY 4.0.