Ana Brocanelo

Reconhecimento de multiparentalidade é a melhor solução para as crianças?

A multiparentalidade é uma possibilidade jurídica, mas, mesmo havendo exame de DNA que comprove o vínculo biológico, entende-se que essa não é a melhor solução para as crianças.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso por meio do qual uma mulher pretendia assegurar que sua filha tivesse o pai socioafetivo e o pai biológico reconhecidos concomitantemente no Registro Civil. A multiparentalidade é uma possibilidade jurídica, mas, mesmo havendo exame de DNA que comprovava o vínculo biológico, os ministros entenderam que essa não seria a melhor solução para a criança.

 

“A possibilidade de se estabelecer a concomitância das parentalidades socioafetiva e biológica não é uma regra, pelo contrário, a multiparentalidade é uma casuística, passível de conhecimento nas hipóteses em que as circunstâncias fáticas a justifiquem, não sendo admissível que o Poder Judiciário compactue com uma pretensão contrária aos princípios da afetividade, da solidariedade e da parentalidade responsável”, afirmou o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso.

 

Acompanhado de forma unânime pelo colegiado, o voto do relator levou em conta as conclusões das instâncias de origem acerca do estudo social produzido durante a instrução do processo. A ação, proposta em nome da filha menor representada por sua mãe, pretendia a retificação do registro para inclusão do pai biológico. A menina havia sido registrada pelo homem que vivia em união estável com a mãe, o qual, mesmo sem ter certeza da paternidade, optou por criá-la como filha.

 

Desinteresse do pai biológico:

De acordo com o estudo social, o pai biológico não demonstrou nenhum interesse em registrar a filha ou em manter vínculos afetivos com ela. No momento da propositura da ação, a mãe, o pai socioafetivo e a criança continuavam morando juntos. Além disso, ficou comprovado no processo que o pai socioafetivo desejava continuar cuidando da menina. Conforme a conclusão das instâncias ordinárias, a ação foi movida unicamente porque a mãe pretendia criar uma aproximação forçada com o pai biológico.

 

Ao analisar o caso, o ministro Bellizze mencionou precedente do Supremo Tribunal Federal segundo o qual “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais”.

 

No entanto, observou o relator, esse reconhecimento concomitante é válido desde que prestigie os interesses da criança, o que não ficou demonstrado no processo. “O melhor interesse da criança deve sempre ser a prioridade da família, do Estado e de toda a sociedade, devendo ser superada a regra de que a paternidade socioafetiva prevalece sobre a biológica, e vice-versa”.

 

Conveniência da mãe:

Bellizze destacou que a doutrina e a jurisprudência preconizam que a prevalência do interesse da criança é o princípio que deve nortear a condução dos processos em que se discute o direito à manutenção dos vínculos afetivos ante o direito ao estabelecimento da verdade biológica.

 

Segundo o ministro, as instâncias ordinárias entenderam que a demanda foi proposta exclusivamente no interesse da mãe. “Assim, reconhecer a multiparentalidade no caso em apreço seria homenagear a utilização da criança para uma finalidade totalmente avessa ao ordenamento jurídico, sobrepondo o interesse da genitora ao interesse da menor”, disse Bellizze.

 

O relator destacou, porém, a possibilidade de que a própria filha reivindique na Justiça o reconhecimento da multiparentalidade no futuro, caso o deseje: “Deve-se ressalvar o direito da filha de buscar a inclusão da paternidade biológica em seu registro civil quando atingir a maioridade, tendo em vista que o estado de filiação configura direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros”.

 

 

Um abraço para todos.

Ana Brocanelo – Advogada.

OAB/SP:176.438 | OAB/ES: 23.075

Fonte: Superior Tribunal de Justiça – STJ. “Reconhecimento de multiparentalidade está condicionado ao interesse da criança”. https://bit.ly/2vSfYWa

Mais Posts

Os desafios das mães divorciadas.

Os vários desafios emocionais, financeiros e legais que as mães separadas enfrentam todos os dias. Que passam despercebidos ou sem o devido valor. Eu sei, já passei por isso.

Avô abraçado com o neto em um campo de futebol

Como conviver com o meu neto após o falecimento do meu filho?

Quando os avós são impedidos de conviver com seus netos após a perda de um filho, a justiça pode ser acionada para garantir uma convivência avoenga. Este direito, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), visa preservar os laços familiares em benefício do melhor. Leia abaixo o artigo na íntegra.

Posso mudar o regime de bens depois da união?

A escolha do regime de bens no casamento ou união estável é fundamental para definir como serão divididos os bens do casal. Neste artigo, vamos explorar a importância de escolher o regime de bens mais adequado para o seu relacionamento, os diferentes tipos de regimes existentes e como realizar a alteração do regime, caso necessário.

Matrícula Escolar, quem decide e quem paga?

A guarda compartilhada representa um avanço significativo no direito de família brasileiro. No entanto, a sua aplicação prática ainda suscita diversas dúvidas e desafios, especialmente no que diz respeito à definição das responsabilidades parentais, à comunicação entre os genitores e à tomada de decisões sobre a educação dos filhos. Neste artigo, analisaremos os principais aspectos da guarda compartilhada, com foco nas questões relacionadas à educação dos filhos, e apresentaremos soluções jurídicas para os conflitos mais comuns nessa área.

Deixe sua mensagem